[Edmilson Schinelo]
Um jovem desperta a inveja e o ódio de seus irmãos. É vendido como escravo a uma caravana de mercadores e depois ao comandante da guarda do faraó. Numa suposta armação da mulher de seu senhor, é levado à prisão. Tudo para dar errado. Mas consegue dar a volta por cima. E torna- se o homem de confiança do faraó. O grande homem do Egito (cf. Gn 36-41).
A história de José nos é bastante conhecida. Sabemos também de como teria socorrido a seus irmãos, os demais filhos de Jacó, quando a miséria e a fome se abateram sobre Canaã e sobre outras áreas dominadas pelo faraó. Mas entre o emaranhado desta colcha que é a novela de José do Egito, há um retalho que chama a atenção. Trata-se da política de exploração implantada por José, descrita em Gn 47,13-26.
Não havendo mais pão em Canaã e em toda a terra do Egito, José reuniu o dinheiro do povo e o entregou ao Faraó (Gn 47,13-14). Quando acabou o dinheiro, sem nenhum escrúpulo, o mesmo José exigiu que o povo entregasse seus rebanhos em troca de comida (Gn 47,15- 17). No ano seguinte, tendo continuado a seca, volta ao povo a José e implora mais uma vez por pão. Mas agora José já é chamado de senhor: “... Nada mais resta à disposição do meu senhor do que nossos corpos e nossas terras! Compra-nos, pois, a nós e a nossos terrenos em troca de pão!” (Gn 47,18- 18).
Não havia mais nada a ser entregue ao senhor e dominador. Ou havia? Dinheiro, rebanhos, terras e corpos já tinham sido entregues. Mas restava uma coisa: a consciência. Infelizmente, diz o texto, a gratidão a José foi imensa: “Tu salvaste a nossa vida!” (Gn 47,25). Como assim? Depois de tanta exploração e de total expropriação, a ponto da entrega dos próprios corpos, o coordenador deste sistema é ainda chamado de salvador?! Será que ninguém mais se lembrava de que o pão que José distribuía às migalhas já havia sido retirado do próprio povo e estava acumulado nos armazéns da corte?
Louvado seja o mercado, louvada seja a FIFA. Afinal de contas, teremos uma copa do mundo com qualidade padrão FIFA, que exigiu trabalho sério de grandes empreiteiras. Estas, por sua vez, geraram emprego para muita gente! Se houve remoções de milhares de família, foi só uma mera exigência do progresso. Se houve mortes na construção dos estádios, foram “meros acidentes de trabalho”. O lucro e os benefícios ficarão. Devemos então nos ajoelhar diante do mercado, diante das empreiteiras, diante da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional e dizer a cada uma dessas divindades: “Tu salvaste a nossa vida!”.
Os pobres não irão aos estádios, como também não terão acesso a hospitais e a escolas de qualidade. Mas deverão também dizer: “Tu salvaste a nossa vida!”. As baianas seguirão proibidas de vender seu acarajé em áreas reservadas às multinacionais. O vendedor ambulante e até mesmo o picolezeiro estão proibidos de se aproximar dos estádios. Mas todos deverão dizer: “Tu salvaste a nossa vida!”. Afinal, é para isso que se compram as consciências. Será que compram mesmo? Parece que não! Pela primeira vez na história, o chamado “país do futebol” grita com o corpo e com a alma: “copa pra quem?” Não nos calaremos, porque passada a copa, as obras faraônicas tendem a continuar se não continuarmos a desmascarar esse José do Egito. Não a ele e sim à luta popular e ao Deus verdadeiro é que diremos:
“Tu salvaste a nossa vida!”.
“Tu salvaste a nossa vida!”.
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